soltas

"Por detrás desta porta, / uma de todas as portas que para mim se abrem e se fecham, / estou eu ou o universo que eu penso." A porta branca (FHPB)

terça-feira, 17 de junho de 2014

A Ilha Desconhecida de Armandinho

Que têm em comum José Saramago, D. Quixote e Armandinho?

Haverá ainda alguma ilha desconhecida? Parece que não! O Homem já mareou todos os cantos azuis do planeta, por redondo que seja, não deixando nada a descoberto. Ou então não!
Vejamos:
E tu para que queres um barco, pode-se saber, (…) Para ir à procura da ilha desconhecida, respondeu o homem, (…) Disparate, já não há ilhas desconhecidas, Quem foi que te disse, rei, que já não há ilhas desconhecidas, Estão todas nos mapas, Nos mapas só estão as ilhas conhecidas, E que ilha desconhecida é essa de que queres ir à procura, Se eu to pudesse dizer, então não seria desconhecida (…)” (pp. 14-15)

Descuidadamente, fui levado a lembrar-me do valoroso fidalgo que por quimérico ideal se armou cavaleiro, don Quijote de la Mancha, e se fez escudar pelo fiel Sancho, partindo à aventura, com os contratempos (hilariantes) que se lhes conhecem.
“En efecto, rematado ya su juicio, vino a dar en el más estraño pensamiento que jamás dio loco en el mundo, y fue que le pareció convenible y necesario, así para el aumento de su honra como para el servicio de su república, hacerse caballero andante (…)” (p. 27)

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Todos imaginamos o que poderia acontecer não estivesse D. Quixote no seu perfeito juízo!
Recordo que D. Quixote é o símbolo do idealismo, da utopia, do homem que luta (em vão!?) para transformar a realidade onde vive.

Sem querer alongar-me mais sobre a comparação, penso que só o desassossego de uma procura vale todas as viagens, em busca de aventuras, de uma ilha, de um ideal. Se passa pela vontade e decisão de qualquer homem, então esse é o caminho.
Torna-se assim menos descabida a comparação.

Agora, o capitão do porto ao homem que pediu o barco:
Mas tu, se bem entendi, vais à procura de uma [ilha] onde nunca ninguém tenha desembarcado, Sabê-lo-ei quando lá chegar, Se chegares, Sim, às vezes naufraga-se pelo caminho, mas, se tal me viesse a acontecer, deverias escrever nos anais do porto que o ponto a que cheguei foi esse, Queres dizer que chegar sempre se chega, Não serias quem és se não o soubesses já.” (p. 21)

Antes de ter tripulação para poder governar a caravela, já a mulher da limpeza se tinha juntado a ele. Ouvira o pedido feito ao rei pelo homem que pediu o barco, e saiu do palácio pela porta da decisão. Gostou tanto da caravela, que o barco do homem que pediu o barco passara a ser também o barco da mulher da limpeza.

A mulher da limpeza para o homem que pediu o barco:
“Não queres vir comigo conhecer o teu barco por dentro, Tu disseste que era teu, Desculpa, foi só porque gostei dele, Gostar é provavelmente a melhor maneira de ter, ter deve ser a pior maneira de gostar.” (p. 23).
No dia seguinte, pintaram na proa o nome que ainda faltava dar ao barco, e “A Ilha Desconhecida fez-se enfim ao mar, à procura de si mesma.”
O capitão veio (…), Sabes navegar, tens carta de navegação, ao que o homem respondeu, Aprenderei no mar.” (p. 20)
A estas estórias veio agora juntar-se a fabulosa letra desta música de Armandinho. Na mouche!

José Saramago, O Conto da Ilha Desconhecida, Caminho, Lisboa, 1999
Miguel de Cervantes Saavedra, El Ingenioso Hidalgo Don Quijote de la Mancha, 8ª Ed., Espasa, Madrid, 2005

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