Não quero ser mal interpretado, de todo. Tenho um profundo respeito por tudo o que é sagrado - intocável, transcendente, portanto. Por qualquer motivo que seja... por crença ou fé, por temor, por princípio, pela dor maior da perda, por sentimento de culpa, enfim, respeito como respeito aquilo que de mais sagrado tenho.
Relembrar o que aconteceu no dia 4 de Junho na Praça de Tiananmen em Pequim revela muito desse respeito. Pela memória das vítimas, principalmente! Mas há também um fascínio incomensurável por esses jovens que se insurgiam contra o status quo e poderes instalados, representados nesta fotografia por um homem de camisa branca, o Homem do Tanque.
Posto isto.
Como é sabido, na China pouca gente ouviu falar dessa alegada revolução, por o Estado (25 anos de governação) considerar que o que a motivou vai de encontro às suas próprias motivações. Dar-se-ia um choque frontal de motivos e motivações, troca de "galhardetes", Mas por que é que não nos podemos exprimir à nossa maneira, diriam uns, Porque unidos somos mais fortes e o Frank Sinatra está fora de moda, ou então, À vontade, mas nós reprimimos à nossa, responderiam os outros, ou ainda, E por que é que o homem da camisa branca não atravessa a rua nas passadeiras, como fazemos todos...
Ora aqui está a razão de tanta algazarra. O homem de camisa branca atravessa a estrada fora da passadeira (como se pode ver na imagem abaixo). Voltando das compras, com uns pacotes de massa de arroz, cogumelos chineses e umas líchias - o que trazia nos sacos nunca chegou a ser comprovado ao certo -, o homem da camisa branca comete uma infracção gravíssima. Sobretudo em dia de parada militar no bairro.
O que acontece a seguir é simples de adivinhar: chamam a polícia, o carro patrulha mais próximo está a cortar o trânsito, atarefado para que esta gente possa desfilar, e é dada a ordem aos maquinistas dos tanques para interceptarem e imobilizarem o indivíduo infringente, ordem que cumprem com zelo.
Depois desta operação, tão espectacular quanto perigosa, e exemplar no primor revelado em nome da ordem na via pública, há ainda pessoas de má fé, que querem seguramente a queda do governo e do regime, que afirmam que os maquinistas também deveriam ter sido autuados por desrespeitarem os traços longitudinais que separam as faixas de rodagem, transpondo-os. Contra-ordenação muito grave, portanto.
Mas isto não consta dos manuais de História.
Se há imagens que valem por mil palavras, esta é uma delas.
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